Fonte: veja online
Ex-empresário do Vale do Silício convertido em historiador, Andrew Keen é hoje um dos críticos mais ácidos do mundo digital. Em seu primeiro livro, O Culto do Amador (Jorge Zahar; 208 páginas; 39 reais), de 2009, o britânico de 51 anos denunciou o que chamou de "ditadura da ignorância" na web, difundida por narcisistas ávidos pelos holofotes digitais. Ganhou rapidamente desafetos, foi tachado de apocalíptico e ficou conhecido como o "anticristo da web”. Três anos depois, Keen volta à carga em novo livro. Seu alvo: Facebook, Twitter, Google+ e afins.
Keen desembarca ao Brasil na próxima semana para divulgar Vertigem Digital – Por que as redes sociais estão nos dividindo, diminuindo e desorientando (Jorge Zahar; 253 páginas; 45 reais). Nele, o historiador ataca o carimbo "social" das ferramentas e games on-line, critica a superexposição dos usuários e ironiza os entusiastas da "transparência" das redes citando o filósofo francês Jean Baudrillard: “A transparência é boa demais para ser verdade... o que há por trás deste mundo transparente?”.
O desencanto do britânico passa longe da tecnofobia. Keen está no Twitter, usa iPhone, iPad e MacBook, passa dez horas por dia na internet e checa obsessivamente seu e-mail. Seu alvo nunca foi a tecnologia. É o que chama de "era do exibicionismo", que estaria forjando uma "geração sem mistério". Em entrevista ao site de VEJA, Keen explica por quê.
O que há de errado com as redes sociais? Temo que a palavra "social" seja transformada em ideologia. Todas as últimas inovações digitais – de recursos musicais a soluções criativas – recebem obrigatoriamente o carimbo de social. Isso é preocupante. A internet deve sempre preservar a autonomia do indivíduo, atributo que não é respeitado por diversas plataformas. Os pensamentos originais só aparecerão quando as pessoas rejeitarem essa doutrina da multidão.
Recentemente, o empresário Biz Stone (um dos fundadores do Twitter) previu que o futuro será "social". Se isso for realmente verdade, é preocupante. Foi por esse motivo que escrevi meu segundo livro. Precisamos conquistar um espaço na web onde possamos nos proteger da multidão e desenvolver nossas próprias ideias. É preciso praticar mais a autocensura e limitar o número de publicações pessoais nas redes.
Em seu livro, o senhor diz que as pessoas estão abrindo mão de suas informações pessoais. Por quê? Vivemos a era do exibicionismo. Estamos desistindo dos nossos segredos. Chegamos ao mundo da transparência radical. Nossos perfis no Facebook, Twitter e Google+ são nossas vitrines. Hoje, riqueza corresponde a conectividade. Com esse comportamento extremamente narcísico, estamos virando marcas. Eu mesmo, por exemplo, sou o "anticristo da web".
Esta "marca" o incomoda? Não. É até agradável. Como um garoto judeu do norte de Londres, sempre cultivei a ambição de me tornar o anticristo de algo historicamente relevante. O que poderia ser mais significativo do que o Vale do Silício?
As redes sociais podem realmente acabar com os segredos das pessoas? Conseguimos saber os gostos e os anseios das pessoas só visitando seus perfis nessas redes. Podemos ter uma geração de pessoas sem mistérios. Meu conselho aos usuários da rede é mentir. Eu mesmo nunca digo a verdade em meu perfil no microblog. Se você me segue no Twitter, confesso: não terá condições de saber muitas coisas sobre mim.
O senhor se considera pessimista? Eu sempre fui uma pessoa otimista, mas não vivo de sonhos. Aponto os problemas das redes sociais. Não significa que eu seja avesso à tecnologia. Uso a internet diariamente por dez horas, tenho iPhone, iPad e Macbook e sou obcecado por e-mail. Tenho mais de 20.000 seguidores e reconheço: o século XXI será a era da internet. Só não tenho Facebook.
Por quê? Essa rede não é confiável. Ela apresenta um modelo de negócio nada desprezível, com a exposição de dados pessoais, como nome, cidade, idade, gênero, atividades, amigos mais próximos. Seus usuários não são clientes, mas produtos. É uma armadilha compartilhar informações nesse tipo de plataforma. Quanto mais você compartilha, mais a rede sabe sobre você, e mais você se transforma em um produto. O filósofo francês Michel Foucault estava certo: a visibilidade é uma armadilha.
Qual é o futuro do conhecimento na internet? O conhecimento será restrito e estará presente em ambientes fechados com sistemas de pagamento, como o do The New York Times, onde sei que a informação é confiável. Ambientes digitais em que exista livre acesso de distribuição e compartilhamento de conteúdo como a Wikipédia ficarão comprometidos. A elite (pessoas como eu) sempre terá acesso às informações mais confiáveis, mas as massas vão se submeter à 'ditadura da ignorância'. É como voltar à Idade Média – e isso não é uma perspectiva muito atraente.
Fonte: Veja Online
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